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Chefe de sangue

Chefe de sangue

E quando você trabalha para algum parente? Como lidar?

Rafael Medina é estudante de Comunicação Social com ênfase em Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Há um ano faço estágio numa empresa de comunicação da área de relações públicas e assessoria de imprensa. Um fato normal para um aluno pré-formando do curso de Jornalismo, exceto por um pequeno (e catastrófico) detalhe: a chefe é minha mãe.

Muitos descrevem a situação de trabalhar com um familiar nessa relação empregado/chefe como uma verdadeira missão impossível. Não vou entrar nessa questão de se é possível ou não, mas pela minha atual experiência posso afirmar com clareza: é bem complicado.

Acredito que o grande problema está relacionado com a separação entre profissional e pessoal. A relação entre uma mãe e filho já tem suas complicações por natureza, e quando se acrescenta a adrenalina e deveres do mundo corporativo existe a necessidade de uma mudança por parte dos dois lados.

Na minha situação, um dos fatores que contribuíram foi o fato da chefe trabalhar de casa e eu estar todo dia presente na empresa. Pode não parecer, mas essa distância facilitou para que os outros funcionários me vissem como um estagiário empenhado no trabalho e com qualidades para merecer estar ali, o que eu sempre busquei e lutei contra a visão do “filho da chefe intocável”.

No primeiro momento, acredito que existiu um pé atrás com a minha presença na empresa, um certo cuidado dos funcionários nos comentários e até o relacionamento comigo, a possível figura de um “espião” que contaria tudo para chefe. Foi essencial ter um amadurecimento pessoal e mostrei para todos que o tratamento era igual, chegava e ia embora sempre no horário estabelecido e busquei uma aproximação nos almoços, conversas e até problemas particulares.

Hoje, percebo que minhas ações tiveram sucesso. Todos me tratam como um companheiro de trabalho, sem interesses ou receio. Uma curiosidade é que também acabei me tornando um canal entre os empregados e a chefe, muitas vezes na entrega de documentos e pedidos de funcionários, que não teriam coragem de falar com a chefe e me utilizam pela aproximação e liberdade que criaram ao longo do tempo.

Adeus ao “mamãe”

Na relação direta com a “chefe-mãe”, as coisas foram mais complicadas. Nos primeiros meses, as mudanças já eram evidentes dentro de casa. As discussões do jantar se voltavam para assuntos do trabalho, e o famoso e carinhoso “mamãe” ia sendo trocado pelo necessário e formal “Mônica”, nome da chefe.

Não é uma questão de perda de amor, mas sim uma consequência da relação do trabalho. A dificuldade maior são os dois entenderem que, durante o dia, existem um estagiário e uma chefe, mas à noite se tornam filho e mãe. Infelizmente, é uma tarefa muito difícil, que estamos buscando até hoje e ainda vivemos as discussões e stress da empresa dentro de casa.

Na parte de negociações de trabalho, baseando-se na experiência que tive no meu estágio anterior, acredito que é positivo ter uma pessoa tão íntima. Tenho mais liberdade e calma para expor minhas ideias e opiniões para o sucesso da empresa, e é claro que com uma relação que dura desde o início da minha vida, o fato de conhecer tão bem a pessoa contribui para buscar o resultado esperado, saber o que falar e o timing para a conversa.

Ao mesmo tempo, a intimidade e liberdade também têm seus pontos negativos. A famosa bronca da chefe, que cabe ao empregado ouvir e receber calado, muitas vezes foi recebida com um “ por que? ”, “ eu faço desse jeito”. Por parte dela, meu chopp com amigos permitiu certos comentários como: “Vai sair pra beber hoje? Amanhã se não chegar na hora vai ser descontado, o estagiário tem que dar exemplo.”

Existem fatores positivos e negativos nessa relação tão complicada de união profissional e pessoal. De qualquer maneira, desde o início foi um grande aprendizado e treinamento para o mundo da comunicação corporativa, e tenho uma grande sorte e muito orgulho de ter uma verdadeira professora e exemplo de profissional dentro de casa.

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