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Cairo – Preferência Nacional

Paulo C. A. Benetti é consultor em Criatividade, Inovação e Estratégia, que aproveita viagens a trabalho para visitar e curtir outros lugares, com outros olhares.

Depois da viagem à Capadócia, Paulo nos leva ao Cairo no Egito. Uma viagem contada com uma curiosa riqueza de detalhes. Para ler e viajar…

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Não foram muitos dias, mas deu para saber que a preferência nacional do Cairo é muito conhecida de todos nós. Temos até marchinha de carnaval: “Ei! Você aí! Me dá um dinheiro aí.”

Chegar a uma cidade bem à noite dá uma sensação gostosa e trafegar pelo trânsito tranquilo e as cores dos prédios, monumentos e casas ficam bonitas. No aeroporto lá estava o motorista Nabil esperando, com um olhar sorridente sem mostrar que estava de saco cheio com o atraso do voo e com minha mala que ficou “horas” para aparecer.

Fomos pelas avenidas até chegar ao hotel que fica no quinto andar de um prédio, onde há outro hotel (no quarto andar) e residências. Simples mas muito bem cuidado por duas antigas comissárias da Lufthansa, em um bairro que é uma ilha do rio Nilo, Zamalek. Depois vi que a embaixada brasileira fica na mesma quadra do hotel, secundada por outras dezenas de embaixadas.

Como diríamos: “tudo em cima”. Bom quarto, bom banheiro, e muito bom café da manhã, a um preço razoável. Para isto servem os sítios na internet que fazem reservas. Eles têm um bom sistema de avaliação feita pelos hóspedes anteriores. Sigo por aí.

No dia seguinte, já de manhã vê-se que Cairo não conseguiria nunca ser uma cidade bonita. A areia do deserto trazida pelo vento deixa tudo da mesma cor, e como se estivesse empoeirada. Aliás, está.

Primeiro passeio: Museu do Cairo. É lá que estão os meus mais antigos parentes. Já nem sei se são por parte de pai ou de mãe, mas lá estão eles e não posso deixar de visitar. Imagina você ir a um lugar pela primeira vez e não visitar seus parentes. É praga na certa! E de praga o Egito tem doutorado. Dura anos!

O museu é imenso e é preciso muita disposição física para confraternizar e cumprimentar todos os parentes que lá estão. Ai de você se não visitar todos. Dá uma ciumeira. A vantagem é que eles não ficam oferecendo bolo, doces, café. São bastante econômicos e rápidos. Afinal, tem muitos parentes esperando a vez.

Olho algumas pedras com aquelas escritas estranhas e vejo que uma pedra vai levando a outra, e a outra, assim por diante. Pelo que está escrito deve ser uma continuação. Talvez fosse forma de se fazer novela naquela época. Um capítulo por ano.

Chama a atenção de que 99% das estátuas, que estão de pé, é a perna esquerda que está a frente. Nunca tinha visto tanto canhoto na minha vida. A civilização antiga do Egito era formada por canhotos. Não tinham ponta-direita no time deles.

Algumas restaurações nada mais eram do que cópias. Mas que importância tem fazer uma lipoaspiraçãozinha, uma plástica rejuvenescedora. Até parabenizei os parentes que toparam esta. Ficaram bem melhor.

Procurei saber como meus ancestrais enfrentavam a claustrofobia. Tranquilo. Já tinha aprendido este negócio de meditação e outras maneiras de enfrentar um sarcófago por muito tempo.

Algumas estátuas masculinas apresentavam membros tão grandes que fiquei imaginando se este negócio de propaganda enganosa já funcionava na época. Também pensei que, naquela época, esta era a forma de comunicar da turma que vive enchendo a nossa caixa de e-mails com propostas de aumentar o membro alguns centímetros. Como o mundo se repete! Só mudam os meios.

O fato é que história vende. Cheio de gente o museu. Muitos intérpretes, muitos guias que “sabem tudo” sobre o nada. Imagino que daqui uns dois mil anos o pessoal indo ao museu brasileiro para ver a múmia do Lula e, porque não, a da múmia paralítica. Seria muito engraçado ouvir as histórias destas múmias.

Aprendi, pelo menos, a distinguir estátuas gregas de romanas. As gregas mostram homens pelados e mulheres vestidas. Os romanos: homens vestidos e mulheres peladas. Ganha um centavo quem descobrir quais eram as mais visitadas.

Há outra coisa que chama a atenção: todas as estátuas que apresentam o faraó e sua cara-metade tem um quê de afeto. Sempre um está abraçando o outro. Um charme.

Tem um faraó que é o pop star: Tutankhamun. Uma sala só para ele. E olha que morreu com 19 anos. Imagina se ele chegasse à idade da Madonna.

Mas o que chama mais atenção são as máscaras que tinha que usar nas festividades. Vi uma que pesava 11 quilos! Agora imagina você sair no bloco de carnaval carregando um treco de 11 quilos na cabeça.

Não encontrei, por mais que tentasse, nenhuma referencia a Indiana Jones, patrono holliwoodiano deste negócio de história antiga.

No Cairo tudo que você pergunta tem um pedido de dinheiro. Não vi violência de roubos, nem o hotel advertiu sobre isto. Há muita informação para quando der gorjeta (eu ia escrever propina, mas com este negócio de Brasília é melhor escrever à paulista). Dê valores baixos. Tipo 10 libras egípcias (pouco mais que 3 reais).

No centro Cóptico (onde está o período da Igreja Católica Ortodoxa), cada ruela havia um guarda. Cada pergunta que se fazia para encontrar onde queria ir, tinha um pedido de dinheiro aí. O motorista de taxi que me levou ficou esperando duas horas somente para garantir que teria passageiro na volta. E olha foi uma corrida de uns 15 reais.

Aliás, taxi é muito barato por lá. Um motorista com um bom carro por oito horas também é muito barato. Paguei cerca de 60 reais por oito horas (toca para as pirâmides… toca pra Cidadela… toca pro restaurante – por favor, um que tenha cerveja de verdade!).

Caminhei à noite pela região próxima ao Nilo e, também, próximo ao hotel. Em nenhum momento senti insegurança (quer dizer, tava num cagaço grande, mas andei). O passeio de Felucca é divertido. Felluca é um barco grande, que enchem de turistas e rodam pelo Nilo à noite. Antes de entrar tem que negociar com um monte de gente. Você nem sabe se pagou para o cara certo. Entraram muitas mulheres árabes com seus filhos e casais de namorados. A música era árabe, a altura do som era de discoteca. Mas os meninos deram um show. Gostam de dançar.

Um dia foi praticamente reservado às pirâmides que ficam junto da cidade. Foi um dia que como diz a música: “levantou poeira”. Aqui temos fumaça e poluição, lá eles têm poeira.

Ver as pirâmides é até barato, o que encarece é a turma que quer te vender qualquer coisa. Usam até aquele golpe de que é um regalo (regalo é a mãe! Na minha terá é presente). O outro grande problema é que não tem um boteco nem para tomar cerveja sem álcool. Aliás, fiquei especialista no tema. Quase não se vende bebida alcoólica por lá. Um anúncio de cerveja diz: Amstel Zero. Não é zero de açúcar, é zero de álcool. E tome cerveja sem álcool. Mas perto das pirâmides não tem nada disto.

Andando pelas pirâmides tem que tomar cuidado com a caca dos camelos. Não é uma caquinha de cachorrinho de madame que passeia aqui pelas ruas. É um cacão. Dá para mergulhar.

Lá, por causa da poeira, usei estas máscaras contra a gripe suína, que o trouxa aqui comprou graças a uma campanha alarmista para os laboratórios venderem remédio encalhado. Tenho uma caixa de máscaras aqui em casa. Não sei se irei 50 vezes ao Cairo.

As pirâmides ficam no alto e de lá dava para ver a cidade envolvida no poeirafog. É muito estranho. Antes de visitá-las procure fazer um pipi antes. Os arquitetos esqueceram-se de botar banheiro naqueles monumentos.

Não poderia deixar de visitar a casa dos meus antepassados. Grandes e monumentais. São lindas, embora de perto sejam até rudes. Mas lá estão milhares de anos. Uma passadinha pela Esfinge também faz parte. Ela toda imponente com aquele olhar e jeito blazé. É baixinha, comparada às pirâmides, mas é imponente. Milhões de fotos por dia fazem dela uma estrela de milhares de anos.

Próximo tem um auditório ao ar livre. À noite fazem um espetáculo de luzes coloridas naquele conjunto monumental de Esfinge e pirâmides. Por mais que procurasse não vi nenhuma menção se haveria show da Beyoncé ou da Ivete Sangalo (nosso arroz de festa).

Mais tarde um passeio pela Cidadela de Saladino. Hoje em dia passa tanto filme do Saladino nas Cruzadas que até achei que ia encontrar um clone dele por lá. Lá está uma mesquita linda e imponente. Primeiro parece uma fortaleza. E é. Passeando por ela chega-se à mesquita (e entra sem sapatos, sua mãe não te ensinou!). Linda por dentro. Gostoso andar no tapete que forra o piso. Mas por perto não tem nenhuma cerveja. Dura é a vida de turista no Cairo.

Caminhar pelas ruas do Cairo é deparar com alguma coisa que é tão raro no Brasil que chama atenção. Todas as mulheres cobrem a cabeça com um lenço. Algumas, poucas, cobrem tanto que ficam somente aquelas duas bolotinhas, os olhos, para fora. E aí vem o paradoxo: como tem salão de beleza feminino naquela terra! Aos montes. Tem cada tara!

No último dia, é o de compras. Direto ao mercado modelo de lá. É o bazar Khan El Khalili. Roteiro de todos os menus turísticos.

O taxista deixa num lugar e diz que é ali. Comecei a andar por uma ruela e deparei, um após o outro, com dois caras muitos solícitos, querendo me ajudar a achar o lugar das lojas. Estranhei. Eles não pediam dinheiro e até falavam espanhol. Voltei e uma pessoa mostrou que o bazar ficava do outro lado da avenida e não naquele lugar. Alívio.

Muitas ruelas, muita bugiganga, muita conversa com os caras. São insinuantes. Igualzinho nos shoppings de Pequim. Mas não se encontra muita coisa comprável. E já tem coisa made in China. Estes chineses… qualquer diz estarão vendendo bundas de mulatas para a gente aqui do Brasil.

No aeroporto na saída encontro o mesmo tipo de pessoas com uma atenção, querendo pegar minha mala e passar pelo raio-x. Não sei se era jogada ou iam pedir um dinheiro depois. Por via das dúvidas dei um chega pra lá e segui em frente. Ali tomaria um voo para Frankfurt, 10 graus abaixo de zero. A única vantagem é que tem cerveja.

Até!

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