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Pensando Nossa Realidade à Luz da Nossa Cultura

Antonio Linhares

Antonio José Braga Linhares é Mestre em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC – Rio), possui MBA Executivo pela COPPEAD – UFRJ, pós-graduação em Recursos Humanos pela PUC – Rio e bacharelado em Administração pela mesma instituição.

Antonio é Gerente de Recompensa & Planejamento do Grupo Wilson Sons e trabalhou em organizações como a Coppers & Lybrand, Rio de Janeiros Refrescos (Coca-Cola), IBOPE, Claro, Intelig, Contax e Grupo Oi.

“Ninguém olha o mundo com os olhos inocentes. Sempre se enxerga o mundo editado por um conjunto definido de costumes, instituições e modos de pensar”. Ruth Benedict

Gostaria de dividir com vocês neste post algumas reflexões que me foram possíveis ao estudar o fascinante campo da influência da cultura nacional na gestão empresarial.

É possível traçar um paralelo do conceito de cultura com o conceito de força da física, que é algo invisível atuando sobre a matéria, pois a cultura pode ser vista como algo invisível que atua no comportamento humano. Percebe-se que a cultura estrutura a forma como o homem vê o mundo ao seu redor e fornece a base estrutural sobre a qual o raciocínio lógico constrói a si. Pode-se dizer assim que a cultura funciona como as lentes de um óculos que estruturam as percepções acerca da realidade que determinado grupo de pessoas partilha. Dessa forma, essas lentes culturais estruturam a percepção das pessoas quanto à realidade organizacional que estão inseridas e na qual realizam interações.

Segundo Morgan, existem três níveis que ajudam a delinear a cultura de uma organização, o fato de existir em uma sociedade moderna industrial, a trajetória única da empresa e o fato de sofrer a influencia de diferentes culturas nacionais.

Como indicou Hofstede, teorias geralmente aceitas nos Estados Unidos como as de Maslow, ou Herzberg podem não se aplicar ou se aplicar apenas parcialmente fora das fronteiras de seu país de origem, pois apresentam particularidades específicas de seus povos de origem.

Com o entendimento de que não existe modelo cultural certo ou errado, mas sim que o entendimento das bases culturais ajudam na interpretação dos acontecimentos, vou dividir a seguir com vocês a visão comparativa da antropóloga Lívia Barbosa sobre a meritocracia no Brasil e nos Estados Unidos, visando fortalecer nosso poder de análise ao investigar dois polos tão distintos.

Pode-se dizer que em linhas comparativas entre culturas, no Brasil percebe-se uma permanente tensão entre o critério meritocrático e as relações pessoais e/ou antiguidade, com predomínio das duas últimas. No Brasil existe a legitimação das diferenças de resultado entre as pessoas interpretadas como desigualdade entre indivíduos e não como diversidade de resultados. Enquanto nos Estados Unidos o indivíduo é um agente pró-ativo que atua e transforma o ambiente em que vive, entre os brasileiros, a responsabilidade pelo resultado de cada um está centrada no universo social, o que em grande parte exime o indivíduo de responsabilizar-se por seus próprios méritos.

Enquanto na sociedade norte-americana as circunstâncias são invocadas apenas para valorizar o desempenho individual, na sociedade brasileira elas são lembradas para justificar a qualidade do que cada um foi e é capaz de produzir. Assim, as produções individuais tornam-se incomparáveis entre si, pois o produto de cada um é visto como resultado de condições históricas, subjetivas, particulares e únicas. A melhor forma de sintetizar nossa concepção de desempenho é dizer que no Brasil desempenho não se avalia, se justifica.

Daí a síndrome da isonomia, o engessamento do serviço público e as dificuldades dos gestores avaliarem o desempenho de seus funcionários. A solução norte-americana é a que objetivamente oferece os maiores ganhos para a sociedade e os maiores custos para o indivíduo (O indivíduo na sociedade americana é “ganhador” ou “perdedor”), ao passo que a brasileira, ao contrário, propicia os maiores custos sociais e os menores custos individuais, visto que não estabelece diferença entre maus e bons desempenhos, salvaguardando a autoestima individual.

Apesar de estudos sobre as culturas nacionais serem de grande valia para o melhor entendimento do campo da cultura organizacional de uma nação, o risco de categorizações é o risco da estereotipação. Percebe-se no estilo brasileiro de administrar cada vez mais influências do padrão norte americano, apesar de presenciar-se, com a crise que abateu o mundo em 2008, uma necessidade de repensar o culto americano da individualidade que sufocou o bem comum.

Da mesma forma, é importante destacar que o modelo puro da meritocracia existe apenas no campo das idéias e, na realidade brasileira, encontram-se nos novos modelos meritocráticos muitas características da cultura nacional, como obrigações mútuas de proteção e lealdade entre gestores e subordinados.

Mas isso pode ser tema para outro post específico sobre cultura organizacional. Espero que a reflexão tenha sido proveitosa.

Abraços e até a próxima!

Antonio Linhares

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15 Comentários

Antonio, muito boa reflexão fruto de alguém que pensa criticamente sobre o que lê, pratica, experiencia. Concordo enormemente com você sobre o copy and paste do que vem dos EUA. Acho que falta uma avaliacao mais critica, pesquisarmos para alem dos best-sellers de gestao sobre se o que é proposto realmente funciona e pode ser aproveitado num outro modelo cultural. No ano passado fiz um trabalho sobre as diferentes percepções sobre a área de desenvolvimento de RH em diferentes países usando dados de pesquisas realizadas que constataram que o escopo da área é compreendido de forma diferente dependendo da cultura. Se o escopo é diferente isso também deve refletir uma necessidade de approaches teóricos e modelos que reflitam características locais. No caso da literatura de gestão e RH, há um domínio claro de publicações americanas e inglesas. Alguns autores comecam a questionar isso de forma mais intensa uma vez que dimensoes culturais precisam ser contempladas. To de volta ao Brasil em breve, quem sabe nao trocamos alguns materiais e um bom papo? Grande abraco e parabens pelo excelente post!

Alberto,

Realmente ao olharmos as referências teóricas apresentadas em artigos de revistas de gestão, encontramos lamentavelmente vários modelos que são basicamente o que os acadêmicos chamam de “pop management”, ou seja, modelos que apresentam grande superficialidade e muito “marketing” para sua venda ao mercado. Por outro lado, outros desenhos que são apresentados como verdades em gestão foram aplicados em realidades culturais muito díspares da nossa e sua funcionalidade para nossa cultura é praticamente nula. Temos que cultivar o pensamento crítico para analisar com precisão o que chega em nossas mãos. A busca por modelos prontos que existe nos alunos do MBA deve ser alterada por uma busca da reflexão quanto a aplicabilidade de tais modelos em nossa realidade. Dessa forma, elaboraremos trabalhos que trarão valor real para as organizações brasileiras.
Aguardo seu retorno para conversarmos mais sobre o tema.

O Antonio tem grande sensibilidde pelas questoes da cultura organizacional e consegue perceber sua densidade. As pessoas respondem automaticamente, inclusive eu e os demais leitores, as determinações culturais, quer seja através das nossas decisoes, objetivos, desejos e sonhos. A questao nos remete ao livre-arbitrio. Somos realmente livres? Somos, mas nossa maquininha de fazer loucos, nosso cérebro, nos seduz, nos segura na nossa zona de conforto. Ir contra a uma cultura apenas reforça sua existencia. Para se mudar uma cultura é preciso colocar outra no luvar. Vivemos o choque de interesses culturais distintos na sociedade e nas empresas. Criamos oasis empresariais num deserto de elementos culturais mediocres e paradoxiais. Perdemos efetividade a medida que poucos gestores pensam e gerenciam suas respectivas culturas. Esquecem que é ela que garante a qualidade do comportamento das pessoas quando nao estao por perto.
Quanto ao nosso estrangeirismo, este apego as maravilhas do primeiro mundo, tenho a dizer que adoro comprar em miami, ir a broadway em NY, a Disney em orlando, a Venice Beach em Los angeles e jogar em las vegas. Se alguem achar que estou errado que atire a primeira pedra.

Fornari,

Obrigado pelo seu rica reflexão. Lendo a mesma pensei em perguntas sobre a cultura brasileira e a cultura de forma geral. Acho que melhor do que as respostas são as perguntas para instigar dialeticamente nossa percepção.

Fornari,

Seguem abaixo as perguntas que proponho:
– Todos falam no Brasil e nas empresas nacionais da necessidade de leis/políticas, mas se as leis forem contrarias aos costumes?
– No transito, ao vermos o carro maior de um compatriota diminuímos a velocidade, porém se o carro é menor aumentamos. Afinal, nossa sociedade é igualitária?
– No futebol assimilamos as regras, qual a razão de na política brasileira isso não ocorrer?
– Pensar na cultura brasileira acaba sendo uma terapia em grupo?

Enquanto não ocorrer a reforma das instituições inscritas no coração nacional, de nada adiantará toda a burocracia legislativa/judiciária.

Antonio, nao podemos esquecer que somos humanos, um tipo de animal especial sujeito a sedução, vaidades, arrogancia, etc. Nossos problemas sao uma mescla de incompetencias genéticas e culturais (meu tema preferido no momento) que se potencializam entre si. Parafraseando a Klein, acho que estamos mais para uma salada cultural que as vezes é apetitosa e outras de sabor insuportável. Algumas empresas sao oasis, miragens , modelos que queremos aplicar de forma universal e a gente sabe que as coisas nao sao assim. As perguntas inquietam os interessados mas o risco é que nossa atenção seja apenas academica. Beijao

Fornari, realmente vivemos essa salada cultural de forma intensa. Acredito que no Brasil e nas empresas brasileiras, a nossa capacidade relacional que visa unir o fraco com o poderoso e o céu com a terra, demonstra também nossa criatividade e força de lidar com opostos.
“ Conviver com os opostos é uma arte. E é esta a base de nossa arte de administrar”.
Talvez fortalecendo a virtude de conviver com os opostos de forma criativa e entendo nossas mazelas, teremos um campo vasto para o sucesso.
Realizarmos o desafio da aplicação na prática desse tema pode produzir nosso grande diferencial como empresas ou como nação. Mas também sei que as coisas no campo das idéias são mais simples do que no campo da ação.

Antonio querido,

Excelente e super oportuno o teu artigo… parabéns! somente através de lideranças empreendedoras como você que conseguem brilhantemente unir a teoria com a prática é que conseguiremos sair desta “sindrome da isonomia”, que acaba com qualquer equidade e justiça organizacional, e corroe a produtividade empresarial.
Abraço
Patricia Tomei

Obrigado pelas palavras Patrícia !

No Brasil, nosso grande desafio é viabilizar que as leis sejam escritas no corações das pessoas !

Grande beijo !

Oi, Antonio!
Excelentes reflexões sobre a cultura organizacional/nacional… Fiquei pensando sobre minhas experiências profissionais em empresas nacionais/multinacionais e a relação da cultura da matriz influenciando diretamente as relações e as pessoas… Posso dizer que já senti na pele essa influência, quase palpável… Haja jogo de cintura!
Adorei lê-lo por aqui! Assim, matamos as saudades dos bons e velhos tempos…
Beijinhos,

Andréa

Andréa,

Quantas saudades!! Obrigado pelos comentários! Fico feliz que tenha gostado do post !

Grande beijo!

Antonio

Oi Antônio.

É muito bom ver o seu empenho e dedicação em estudar o tema cultura organizacional.
Esse é sempre um tema polêmico e instigante. A questão recorrente é o quanto temos de peculiar e de semelhante em uma cultura.
Em economias globalizadas como a que vivemos essas diferenças possuem fronteiras cada vez mais tênues. Mas não podemos esquecer que uma cultura acima de tudo é um fênomemo histórico, portanto dinâmico. Interpretar uma cultura não é tarefa fácil e exige entendermos os valores que cada grupo e sociedade cultivam em determinado tempo e espaço.
Obrigado por nos brindar com um trabalho que ajuda a gente a refletir sobre essas questões de forma tão consistente.

Abraços
Silvana

Obrigado pelo carinho Sil!

Lembro até hoje de nos encontrarmos no ônibus quando eu estava a caminho do trabalho e você falar sobre o livro da Livia Barbosa ( Igualdade e Meritocracia). Você sabia que a leitura desse livro foi um divisor de águas no meu estudo sobre Cultura Organizacional? E você participou diretamente disso!!!

Não poderia deixar de citar a Livia no artigo e lembrar da sua importância neste meu estudo!

Um super beijo!

Parabéns Antônio! Sei que esse tema sempre foi de seu grande interesse, e é muito bom vê-lo investindo no assunto. É claro que esse debate não tem fim, mas é justamente de visões críticas como a sua que precisamos. Embora saibamos que a sociedade influencia diretamente o mundo empresarial, sou daqueles que acredita que as empresas, como parte integrante dessa sociedade, tem uma função importantíssima na formação/alteração dos valores culturais dessa mesma sociedade. Essa velha questão do Ovo e da Galinha, me faz pensar no papel de RH e especialmente da área de Desenvolvimento, mas isso já é assunto para o nosso choppinho!. Parabéns e forte abraço!

Valeu pela reflexão Maurício! Obrigado pela leitura e vamos marcar esse chopp!!! Forte abraço.